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Desabafo #4: carta aberta de uma surfista na quarentena

02/04/2020
    • Langai
    • Langai



  • Ei, vocês aí do outro lado do mundo! Trago boas notícias:


    _estamos vivos. Tudo vai passar. Vai ficar tudo bem.


    Das boas coisas que o surf me ensinou: respeitar e natureza, a você mesmo e aos outros, ter paciência e aproveitar qualquer tipo de situação (ou condição do mar) pra aprender. 

    Eu moro em Bruxelas, na Bélgica. 
    Aqui tá tudo meio estranho...mas onde não está, né?

    O confinamento aqui começou faz algum tempinho já, algumas semanas de antes de no Brasil. De imediato num primeiro momento vieram mil preocupações que iam além da saúde. Economia, lazer, viagens etc...
    Felizmente o governo aqui deu e ainda tem dado todo o suporte pra suavizar os impactos. Por exemplo: pagar 70% dos salários dos trabalhadores formais ou independentes.


    _mas cada dia é uma novidade, uma restrição nova, uma fronteira que se fecha...


    Aqui a gente pode sair de casa pra ir no supermercado, ir à farmácia, correios, serviços essenciais e até pra fazer esporte (o que é inclusive encorajado pelo governo), podendo ser acompanhado pela família, por pessoas que moram no mesmo teto ou um único amigo aleatório.

    Confesso que o vazio das ruas me dá um aperto no peito, mas também me traz esperança. Esperança nas pessoas, em um sacrifício coletivo pra um bem maior. 

    Tudo bem que isso tudo precisou de virar lei, decreto e um tanto de fiscalização. Mas nada fora do necessário e todo mundo já entendeu isso e são raros os que reclamam. 


    _estamos de mãos dadas, mesmo que não fisicamente. 


    Ninguém acreditava que tomaria essa dimensão, né? Sei lá... Mas não julgo, eu mesma fui uma das primeiras a relutar a acreditar. E depois, por alguns dias o que tomou conta foi uma ansiedade imensa que não ia embora. Eu ficava o dia inteirinho lendo notícia e discutindo em grupos no whatsapp só falando de Corona e devorando tudo quanto é tipo de informação. 

    Se me fez bem? Nem um pouco.

    De repente eu tava sendo bombardeada o tempo todo com um pânico e um pessimismo que insistia prevalecer. Até que um belo dia eu li um post no instagram que era mais ou menos assim: "Como ficar informada e ser feliz ao mesmo tempo?". Foi o soco na cara que eu precisava pra enxergar que aquilo não estava saudável de jeito nenhum.

    Quer saber mais? Então... eu tinha uma passagem comprada pra ir pro Brasil no dia 19 de março, viagem que planejei muito e esperava ansiosamente depois de 1 ano e meio fora. Malas quase prontas, presentes comprados, surftrips planejadas. Meu vôo foi cancelado no dia 17 e não teve como remarcar, já que os poucos vôos que haviam estavam lotados.

    Fiquei arrasada e durante os primeiros dias seguidos à notícia eu acordava chorando compulsivamente. Por estar longe, pelo Corona, por preocupação principalmente com meu povo e com os pobres... tanta coisa!

    E aí as pessoas falavam: "Ah, mas foi melhor assim, pelo menos aí você está mais segura." De certa  forma isso me despertava um pouco de raiva sabe... Como é possível uma pessoa se sentir confortada por uma condição tão invidividualista? Será que o mais importante era mesmo EU estar segura?

    Sei lá, talvez eu seja de outro planeta.

    E essa reflexão me fez também ver em como a gente muitas vezes sem ver é egoísta. A parte boa é que depois de um tempo a gente começa a conseguir a enxergar alguns pontos positivos... E começou muito quando eu tava insistindo tentar achar outro jeito de voltar pro Brasil, com vôos picados ou sei lá e percebi como sou privilegiada.

    Tudo bem que tenho que ficar aqui, mas eu tenho uma casa e minhas coisas e apesar da frustração isso não vai me trazer grandes problemas. Pensei nas tantas pessoas que estavam de viagem e ficaram no limbo, com vôos cancelados e fronteiras fechadas, hostels fechados. "Tem que ficar em casa". Mas que casa? Com que dinheiro?

    Decidi que provavelmente seria injusto eu "pegar o  lugar" de alguém que realmente precisa voltar pra casa. Se foi fácil? Continua não sendo. Ainda choro muitas vezes e além de tudo os dias frios não ajudam. Mas a cada dia fica mais fácil.


    _ah! O sol voltou a aparecer e o azul do céu timidamente aos pouquinhos vem pra trazer mais esperança.


    Quer saber uma coisa linda? Todos os dias às 20:00 os meus vizinhos saem na varanda. Alguns começam a tocar algum instrumento, alguns batem palmas e vira uma sinfonia improvisada, em uma manifestação de gratidão aos que tem lutado por nós e uma maneira de dizer "estamos juntos".

    Resolvi silenciar alguns perfis que percebi que não me tem trazido sentimento de informação, mas sim uma carga de pessimismo.
    Resolvi  também que vou controlar meus horários de "me informar" e focar sempre na positividade. Acredite, dá pra ser consciente e contribuir pra trazer esperança e "good vibes" às pessoas ao mesmo tempo.

    Comecei a praticar yoga em casa e tiro algum tempinho pra respirar, dar uma volta e olhar pro céu. Olhar pro mar e pro céu me faz sentir mais perto dos meus, sabendo que é o mesmo oceano e o mesmo céu que eu vejo que está lá, tocando o outro lado do mundo.


    _É como se eu pudesse mandar uma mensagem e transmitir coisas boas só de eu estar ali contemplando.


    Às vezes fecho os olhos e finjo que eu estou no mar, sentada na minha prancha sentindo o calor do sol queimar minha pele em um momento de calmaria e vem uma paz.

    Já já vem aquela onda tão esperada.
    Em breve esse abraço vai ser de novo permitido.
    E a gente vai acordar em um dia normal. Mas a gente vai tá diferente.

    Seja forte. 
    Seja responsável, bondoso e sensível.
    Seja resiliente.

    Beijos e boas ondas,
    Tata


     
    Leia também: Guia para não surt(f)ar durante a quarentena
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